Comédia da vida engasgada

Se conheceram de forma totalmente inesperada. Talvez os astros estivessem conspirando para isso, afinal a menina saiu de casa naquela manhã com um único propósito que nada tinha a ver com  o todo que aconteceu com o resto do seu dia. Depois do tal propósito ter sido concluído e não ter mais nada pra fazer, uma amiga ligou pra ela e fez um convite. Ela ouviu o convite, olhou em volta de onde estava, percebeu que não tinha muito a perder e falou: “Ok. Estarei lá em pouco mais de 1 hora.” Estaria ela valorizando o passe pra quem fazendo esta horinha extra à toa? Não sabendo a resposta, resolveu comprar CDs no caminho e tomar um mate gelado de uma barraquinha simpática na rua. Quando de sua chegada no local marcado, lembrou que estava com roupa totalmente desencanada. “Ah, tudo bem… vim ver minha amiga e nem conheço ninguém. Vou logo beber algo e me enturmar com os amigos dela…”, falou pra si mesma. Abraçou a amiga com um sorriso estampadíssimo na cara, deu uma olhada macro e geral no local para estudar o habitat e se concentrou nas lichias da sua caipirinha com cara de quem estava “super in”. Atitude é tudo.

O rapaz parecia ter passado por uma manhã parecida. Não estava muito apropriado, mas demonstrava ser dono do ambiente. Estava cercado de amigos e era bem sociável com todos, até com aqueles que havia conhecido na hora. Andava de um lado pro outro e cumprimentava todos. Tinha um sorriso encantador que parecia fazer com que todos se sentissem próximos e amigos. Confiança é tudo.

Acabaram se conhecendo naqueles típicos momentos de “puxar assunto com pessoa estranha”. Como ambos eram (são ainda) muito simpáticos e adeptos do famoso “sou legal, não estou te dando mole”, começaram uma animada e informal conversa. Conversaram por horas, apresentaram seus amigos um para o outro, desbravaram todos os cantos do bar (como ele conhecia todos, fez do bar sua própria casa e apresentava os aposentos com propriedade). Dado que o papo estava muito interessante e lá dentro fazia muito ruído, resolveram dar uma volta pelo quarteirão para se escutarem melhor. Quando voltaram, se deram conta que já estava tarde e ela tinha que ir embora (quanto tempo haviam passado nas ruas ali em volta?!). Criou-se um clima meio Cinderela: ela tinha que ir antes das doze badaladas. Só que, em vez de largar o sapatinho, ela deixou o número de telefone. Despediram-se com uma sensação gostosa de certeza que se veriam novamente.

Depois deste dia, ensaiaram alguns encontros, mas acabava não dando certo por algum motivo. A moça já devia ter intepretado isso como um sinal dos astros para que, talvez, fosse melhor não encontrar. Resolveu insistir e, como mantiveram um contato frequente, o clima não esfriou. Pelo contrário: gerou cada vez mais uma certa expectativa sobre como seria o “tete-a-tete” pessoalmente de novo. Como foi da primeira vez, o segundo encontro deu-se de forma totalmente inesperada e, quando ambos confirmaram disponibilidade para um almoço dali a uma hora, mal acreditaram. Chegou o dia D!

Sentaram-se em restaurante bacana, pediram vinho, água e as comidinhas deliciosas do cardápio atraente. Alto entrosamento e risadas como se fossem já velhos conhecidos. Depois de uma garrafa de vinho esvaziada, a moça se levanta e anuncia que vai ao toilete. No movimento de se levantar, pegou o copo d’água e deu uns últimos golinhos. Erro fatal #1: beber e levantar. Engasgou. O rapaz achou que estava abafando com seu papo e que a moça estava rindo. Ela tapou a boca rapidamente, pois sentiu um líquido (mistura de água com vinho dá no quê??!) voltando diretamente do estômago pra boca. Linda a cena, considerando que: 1- era primeiro encontro / 2- o local era chic / 3- eles não se conheciam direito!!! / 4- gente, precisa de mais motivo???.

Ao olhar pra moça que não desempacava dali de pé com a mão na boca, ele viu terror em seus olhos e se levantou pra socorrer. A moça parou de pensar por uns minutos tentando recuperar o fôlego. Erro fatal #2: recuperar o ar pela boca quando engasgando. A única coisa que obteve com tal ação foi emitir um som que era uma mistura de tétrico com tragicômico. O som era igualzinho ao de um porco gritando quando sendo morto para futuros deleites gastrônimos. Igualzinho. Imaginem um “iiiihhhhhh” alto, sufocado, estridente, desesperado. Era este o som. A menina soltava um deste a cada 3 segundos.

– Iiiihhhhhh!!!!!!!

– Calma!!

– Iiiiihhhhh!!!

– Vai dar tudo certo!

– Iiiiiiiihhhhhhhhh!!!! Iiiiiihhhhhh!!!!!!!!

“Eu… vou… morrer…”, ela pensou no meio do caos.

– QUER QUE CHAME UM MÉDICO????, alguém gritou. (Ali ela pensou que a situação deveria estar muito pior do que ela imaginava.)

– Chama! Chama!!

– Iiihhhhhhiiiiiiiiiiiiiihhhhhhhhhhh!!!!!!! (Apavorou geral, gerando um som mais comprido e agonizante.)

O cérebro opera mesmo de maneiras bizarras, pois mesmo no meio do patético caos, ela tinha plena consciência do papelão que estava prestando. O rapaz a pegou por trás e pensou estar dentro de um episódio de “E.R.” ao tentar salvar alguém engasgado. Foram 5 trancos. Cinco. Imaginem quantos “iiiiiihhhhhh” a menina soltou no intervalo de CINCO trancos? Pois é. Ela guinchava. O mico era proporcional ao pânico. De repente soltou um som mais sonoro, uma coisa mais lá de dentro mesmo e tragou todo o ar do ambiente. Água saiu pelo nariz e pela boca. Erro fatal #3: gorfar no primeiro encontro. Aí virou a festa do caqui.

– Muito, muito obrigada mesmo por tudo… pela calma, pela ajuda, enfim… por ter me salvado mesmo! Morri de medo, sabia? – disse ela fazendo questão se demonstrar uma semi-viva mui educada o agradecendo por salvá-la.

Imagina… fiz o mínimo possível. Ainda bem que não precisamos esperar o médico. Até confesso que fiquei bem assustado… estou mais tranquilo que você está bem agora. – respondeu ele tentando se fazer de herói, fingindo não perceber os olhares alheios.

Seguraram as mãos em embaraço e apoio mútuos. Ela ainda tremia, mas nem sabia dizer se por vergonha ou nervoso. Talvez ambos. Ele segurou sua mão com força pra tentar afastar esta sensação. Depois se deram conta que a vergonha já tinha passado, os clientes já tinham ido embora, os garçons até estavam encostados num balcão esperando que pedissem a conta, ela já estava com a cor de volta nas bochechas, mas as mãos permaneciam entrelaçadas. Resolveram, finalmente, ir embora juntos, mas sem rumo específico. Já estavam sorrindo de volta e falando coisas engraçadas, inclusive tirando sarro do ocorrido. Até que o erro fatal #4 foi cometido.

Estavam passando pela porta da saída, quando a serelepe moça quis fazer graça e resolveu se auto-imitar fazendo os mesmos movimentos do fatídico momento. Conseguiu ultrapassar todos os limites ao escorregar feio e cair de bunda no chão. Som seco desta vez: PÓF! Não houve conserto pra tal erro. As mãos se soltaram pelo solavanco, mas não voltaram a se unir. A não ser bem rapidamente, quando ele, mais uma vez, a ajudou: segurou a mão como simples apoio para levantá-la dali de baixo. Ela agradeceu praticamente em sussurro já que até sua voz resolveu esconder-se no fundo das cordas vocais de tanta vergonha. Acho que ele só esboçou um sorriso como resposta. Do lado de fora, deram-se leves beijos na bochecha de despedida, sem nem muito encostar para não acontecer outra desgraça. A única explicação plausível na cabeça dela era que os astros a tinham escolhido como fantoche de diversão pros Deuses. Logo, resolveu culpar Saturno que passava pela sua casa astral durante aquele mês. Quanto a ele, a conclusão era mais simples: culpou-se por não ter bebido vinho o suficiente pra esquecer de tudo isso.

 

5 Comments Add yours

  1. Ana says:

    Ah… não teve final feliz??? Não vale…rs

  2. Felipe says:

    JURO que consegui ouvir o som do grunhido da pobre porquinha…….. (ri muito aqui!)

    Apesar da Ana não ter gostado…..eu adorei o final!!!

    E Ana só por que eles não tiveram um final feliz juntos…..não significa que foram infelizes. Esse é só um trecho de uma história. (Eu e meu otimismo!)

    Mais uma história da nossa querida escritora que devia estar engasgada. RÁ! (Eu e minhas piadas toscas!!)

    Beijos!!

  3. Od says:

    A vida nos oferece situações muito inusitadas. Quem nunca passou por um grande mico?
    Eu acredito muito em Deus e tenho fé que tudo acontece por um motivo.
    Se você viu a peça “Os homens são de marte e é pra lá que eu vou”, deve se familiarizar com o comentário “Não era pra ser”…
    Embora seja muito engraçada a história, eu não consegui rir muito me colocando na sua situação. Morri de pena… 🙂
    BJs

  4. Silvinho says:

    Puta que o pariu ! Só bola fora ! Depois dessas,se o cara ainda correr atrás da King Konga,no mínimo esse cara tem a visão muito ampliada de que um dia podem dar certo…rs
    Sorte pros 2 e pra todos nós…hahahahahaha

  5. Silvinho says:

    Esqueci…
    Ainda bem que a King Konga não era peidorreira como a personagem do post mais polêmico !!!
    Hahahahahahaha
    Quiçes endimór quiçes !!! (Meu ingrish tá nível 2,ainda chego lá !!!!)

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