O dia que o Sol tirou férias

Refiro-me ao dia que ele anunciou suas férias, claro. Afinal de contas, se fossem férias de apenas um dia, não sentiríamos tanto sua falta. Isso já acontece. Quero compartilhar com vocês a inusitada desordem que tomou conta do centro galático no bendito dia. Tinha que ser dia, claro, senão ele não teria comunicado, já que à noite, ele só dorme. Ah! Bom esclarecer isso: ele só queria férias de certas partes do planeta. Disse estar exausto de trabalhar dia e noite (sim, noite… onde era noite em tal período, era dia em alguma outra parte da Terra) sem folgas, salvos os dias em que havia chuva no mundo inteiro. Ou seja, raríssimas exceções. Sim, foi tudo tão confuso quanto esta breve explicação.

O Sol chegou lá no meio, todo esquentadinho, dizendo: “Chega, gente! Assim não dá! Não há energia auto-sustentável que aguente. Não tenho mais auto-motivação pra tanto! Vou tirar férias!!”. De olhos fechados, virou a cara pra cima, esperando uma salva de palmas. Foi abrindo os olhos devagar quando não teve resposta. Todos estavam parados, catatônicos. Só não olhavam diretamente pra ele porque não dava. Arderia até o centro de cada um. Coitado, deve sentir falta até disso: uma simples conversinha olho-no-olho. Um burburinho tomou conta da constelação. Meteoritos ensandecidos e velozes, orgulhosamente, deram conta de espalhar a notícia de forma bem acelerada. Planetas conversavam entre si. Como qualquer boa fofoca, chegou até os longíquos Netuno e Plutão que o Sol teria “perdido as energias e não aguentava mais as velhas”. Plutão, por ser gélido, pensou que receberia as almas das velhas geladas, mortas de frio e começou a arrumar a casa. Netuno chegou mais perto pra dar uma mãozinha pro vizinho. Saturno continuava rodando sozinho, bem no seu estilo autista, mas mais rápido, pois sentira as aflições… Enfim, um circo.

Marte, esperto e cativante que é, juntou-se ao sábio e doido Vênus, para conversar com o Sol. Explicaram que ele era vital, como ele muito bem sabia. Entendiam sua solidão e se propuseram e fazer-lhe mais companhia dali pra frente. Vênus lembrou de solicitar ao amigo que não lhe derretesse em nada, pois era tido como o planeta das mulheres e da beleza. “Por favor, hein. Tenho que manter a beleza neste breu sem fim. Brilho tudo que posso lá pros terráqueos. Não aguento quando me confundem com uma mera estrelinha sem graça…” Um bicha louca este planeta. Como toda boa bicha, fez o Sol sorrir. Quando ele sorria, emanava mais calor ainda. Vênus deu vários anos-luz pra trás pra se afastar um pouco do forno. Marte manteve-se estático, esperando uma resposta do Sol. A resposta foi de que ficaria mais um tempo. O Sol sentiu-se querido e necessário o suficiente. Esta era a motivação que procurava. Por ora.

Outra fofoca rodou pelas órbitas e Plutão parou de se arrumar já que entendeu que nada iria acontecer. Netuno voltou pra sua esfera meio desapontado com o chilique sem grandes mudanças do Sol. Na Terra nada aconteceu, pois pras regiões onde era noite, as pessoas dormiam. Pra quem era dia, simplesmente teve um dia chuvoso ou nublado. Os terráqueos continuaram com suas vidas… Ignorantes a tudo e qualquer coisa que os regem. E tudo ficou como estava. Era apenas mais um dia.

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  1. Od says:

    Eu acho incrível a sua criatividade. Como você pode partir de um grão e fazer uma coisa assim tão elaborada, com tantos detalhes, tanta vida, tanta reflexão…
    Quem poderia pensar em auto estima de um planeta a não ser a Ju???
    Parabéns mais uma vez!

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