Certo dia voou até meus pés o que parecia ser uma carta. Como qualquer escritora, sou curiosa. Objetos escritos e antigos me fascinam. Aquele papel grudado na minha canela sendo empurrado pela força do vento contra mim era absolutamente impossível de ser ignorado. Sentia-me a própria pirata descobrindo, enfim, o tesouro não só perdido, mas único. Desdobrei o tesouro com o cuidado típico de um cirurgião ao cortar seu paciente. A concentração era tanta que os ruídos ao meu redor cessaram. Amassada, amarelada e até rasgada devido a ação impiedosa do tempo, a carta abriu-se com vontade, libertando-se do sono profundo que alguém a castigara a ficar. Soltou um suspiro aliviado, espreguiçou-se e só então revelou uma letra feminina. A letra era firme, mas delicada. Denuciava um tom de sensualidade, mas não descobri o porquê. Imaginei, então, que pudesse ser este justamente o motivo: a não-identificação imediata. Juro que senti o gostoso olor de almíscar e subi os olhos, sem levantar a cabeça para olhar em volta, mas não havia ninguém. Aí confirmei que o mistério era, de fato, o que estampara a sensualidade na carta. Sentei-me ali mesmo, no chão de paralelepípedos que estava quente do sol, e deixei-me levar para dentro do mundo mágico dos parágrafos a minha frente. Ao terminar, com o coração em frangalhos por não ter um P., nem ser uma M., decidi não mais aventurar-me a tentar escrever sobre o amor. Jamais superaria a leveza de M. Ainda longe da sabedoria de P., não escreveria mais sobre o amor. Tentaria, porém, aventurar-me por dentro dele, a vivê-lo para contar para quem quisesse ouvir.
Querido P.,
Agora com mais tempo, permito-me sentir o que penso, sem ter que ocupar a mente com outros tantos pensamentos e necessidades do dia-a-dia. Confesso, claro, que ainda não estou com tudo tão em ordem dentro de mim, mas… será que em algum dia estarei? Até poder responder esta pergunta, relato aqui o que acredito ser a ordem da vez.
Está sendo muito especial para mim este tempo que estamos juntos. Para mim, especial. Para você, meus parabéns. Você me mostrou o que é ser homem. Aquilo que idealizamos desde pequenas através de historinhas e, na adolescência, por livros, vc me mostrou que, sim, existe. Existe Homem. Homem que protege. Que cuida. Que é forte e sutil. Que é forte porque quer. Porque gosta de quem está do lado. Que cala, mas mesmo assim, não deixa de expressar a mente, o coração e o corpo. Que exige, mas não por poder – afinal, sabe que tem poder. Este saber transforma tudo em tranquilidade porque sabe que o tem e não precisa de demonstrações frugais para mantê-lo aceso dentro de si. Simplesmente sabe e isso basta. Que demonstra carinho de maneiras variadas, sem nem perceber, se incomodar ou se esforçar. Estes são atos de quem muito se basta, mas sabe bem que se bastar não basta. Assume a diferença entre se bastar sozinho e precisar de quem se tem – por opção. Homem que está além do tempo. Mais que isso, que é atemporal, afinal, mulheres sempre, sempre, sempre desejaram e desejarão serem bem tratadas e queridas, independente da época, da moda e dos achismos em voga.
Você, mais que mostrar o que é ser homem, realizou a façanha que muitos julgam ser inatingível: mostrou à uma mulher o que é ser mulher. A mim. Tirei o véu que me tapava os olhos e me “protegia” do que eu não queria ver, por medo. Resolvi olhar. E gostei do que vi. Por isso, meu muito obrigada. Você me trouxe à sensibilidade e à razão. Não à razão que eu já conhecia. Esta era até um pouco irracional, mas sim à razão que nos pertence, mas que deixamos ou de lado em prol de algo que nem sabemos o que é ou a usamos como escudos protetores. E a sensibilidade! Ah, a sensata sensibilidade de poder ser e viver como mulher!
Os tempos estão distintos aos que eu considero corretos, mas estar ao seu lado me faz sentir que, mesmo na bagunça, há ainda calma. Dentro das perguntas, existem as respostas. Respostas incertas, mas ainda sim, respostas. Nada fica em vão, solto ou perdido. Como estas respostas são, ainda bem, mutáveis, a gente as molda ao longo dos dias de acordo com as situações, opiniões antigas e novas, o respeito crescente, os sorrisos, a admiração permanente, as dúvidas que se tornarão certeza, as mãos dadas, a cumplicidade pura e até mesmo bruta, as novas experiências, os olhares trocados, o que ainda nem sabemos ou esperamos, mas também do que desejamos e podemos planejar.
Obrigada, de nada e por favor são palavras que sempre dirigirei a você. Obrigada por até hoje. De nada sempre será “por tudo”. Por favor. Por favor pelo tempo que for.
Com amor e, porque não, com gratidão.
M.