A festa prometia ser a maior do ano. E foi. O evento, preparado e detalhadamente cuidado meses antes, não permitiria erros. Exclusivamente ricos, famosos e convidados VIPs, escolhidos a dedos (e a interesses), poderiam comparecer. E compareceriam mesmo. Não havia uma pessoa que ousasse faltar. Parecia entrega de um nova categoria de Oscar: prêmios para os já eleitos os melhores. Tudo era da mais alta qualidade fez com os ali presentes se esbaldassem com tanta luxúria, mordomia, conforto, beleza e futilidades. Eu era uma delas e merecia estar ali. Para marcar minha presença em cada um, distribuí risinhos típicos da minha profissão e mantive conversas de menos de 3 minutos com cada convidado – até porque minha paciência é inversamente proporcional à minha beleza. O problema foi brindar e beber com cada um que elevasse sua taça em direção à minha. De repente, meu corpo pareceu ficar ainda mais leve, meus sapatos mais confortáveis e, estranhamente, as pessoas pareceram interessantes (algumas até menos feias!). Minha cabeça estava feliz por não escutar tudo muito bem, mas minha boca tinha independência do resto do corpo e conversava animadamente com todos, sorrindo por conta e esforço próprios. Lembro-me de flashes de rostos, de meu copo miraculosamente nunca esvaziar-se por completo por mais que eu bebesse, de braços em volta da minha cintura e, oh Lord, de meu braço também envolvendo alguém.
Sentindo o gosto amargo na boca de tantos drinks misturados e a pesada dor de cabeça, tentei abrir os olhos, mas pareciam estar trancados a chave. Eles rejeitavam a entrada do longo objeto cortante chamado “luz” que cismava penetrá-los sem pudor. Levantei-me com movimentos de uma idosa sofrendo de artrose e equilibrei a pesada bola de boliche que carregava em cima do pescoço com uma mão de cada lado do rosto. Quando consegui processar o habitat no qual me encontrava, avistei um corpo descabelado e de boca aberta dormindo um sono mais parecido com desmaio ao lado de onde eu havia levantado. Vi também a camisinha jogada ao lado dele no chão. “Merda.” Transei com aquele produtor babaca, numa casa bem pouco confortável para alguém como eu. A noite que havia começado grande terminou pequena. “Só espero não descobrir que tudo seja pequeno…”
Olhei para uma imagem no espelho comprido do corredor que demorei a perceber ser a minha. Me vi ainda de maquiagem, com o cabelo praticamente penteado e desajeitadamente enrolada com o lençol em volta da cintura. Até que eu parecia fazer parte do ambiente, pois estava uma bagunça.
Estava quase ficando em paz com toda a situação quando o infeliz materializou-se como que do nada na minha frente. Segurava uma máquina fotográfica nas mãos. Não satisfeito com o ato de ter conseguido dormir comigo, de quebra o chato quis fotografar-me enquanto eu, silenciosamente, tomava meus grandes goles de café forte – apoiada no único móvel com o qual me identifiquei: uma mesinha alta e esbelta como eu. Sei que sou absolutamente estonteante e minha beleza merece ser registrada por quem quer que seja, mas detesto que me perturbem em meus momentos comigo mesma. Cansada demais para reclamar, mexer-me dali ou sequer esboçar uma careta de rechaço ao seu ato, tentei abrir a boca, mas nenhuma palavra coerente saiu dali. Quem resolveu falar foi meu instinto: o dedo médio da minha mão direita simbolizou toda minha raiva. O idiota sequer percebeu. Parecia mais hipnotizado pela foto que pela minha presença bem ali a quatro passos dele. Quando mostrou-me a foto, entendi o porquê. O acaso havia resultado numa estupenda maravilha.
Por acaso, a foto ficou sendo a mais desejada de toda minha carreira. Por acaso, ele ficou mais famoso. Por acaso eu passei a ganhar mais dinheiro e a ser mais procurada. Somente o causador e facilitador de tudo isso não foi por acaso: meu charme.