O dia em que o rio parou

Ninguém viu o momento exato, mas o fato foi sentido por todos, quer fossem os locais, os bichos ou até mesmo as árvores ou o vento.  Devargazinho cada um foi saindo do seu canto e olhando com espanto para o fenômeno. Olhares se cruzavam e se perguntavam, em silêncio, o que havia acontecido. E como. Mas nenhuma resposta veio. Nenhum sinal de qualquer entendimento foi passado. O rio simplesmente havia parado.

Os animais aproximavam-se, mas sentiam-se ainda mais receosos que os moradores e afastavam-se mais rápido da beira do rio. Bicho é esperto, não curioso. Não fica para ver o que pode ter dado errado: ele vai buscar solução em outro lado antes que aqui fique ainda pior. A curiosidade negativa, talvez até mesmo mórbida pertence somente aos homens, que teimaram em ficar um tempinho a mais. Mesmo assim, os animais despediram-se lentamente dali. Talvez apego seja algo que pertença a qualquer ser vivo, não somente aos humanos.

E quanto ao rio? Ninguém o questionou acerca de sua greve. Ele estava ali desde sempre, há décadas ou séculos, mas ninguém o perguntou nada. Somente o olhavam, debruçavam e quase o tocavam, mas nem isso fizeram mais. A bem da verdade, o rio nunca havia estado tão lindo, tão onipresente como agora. Estático. Único. Inteiro. Talvez este tenha sido o fato de alguns demorarem mais para ir embora. Era fascinante observá-lo. Lindo, porém assustador.

O rio, satisfeito com tamanha contemplação de todos que o cercavam, os recebia com um sorriso amigável. Estava feliz por finalmente ter a chance de conhecer a cada um que o visitava diariamente. Finalmente se apresentaria e faria possíveis amizades. Sentia-se cansado de estar sempre de passagem, sempre em movimento. Queria se estabelecer, criar um vínculo. Porém, não demorou muito para perceber o estranho fato de que as visitas agora eram bem menos frequentes, chegando a quase nada. Pouco a pouco seus visitantes tornaram-se ainda mais estranhos do que quando eles eram somente figurantes no percorrer de seu fluxo. Eles pareciam ter cada vez mais pressa. O rio entendeu que haviam trocado de papeis: ele parou e o resto fluiu. Dias passaram-se e sua frustração circulante o movimentou para novos locais, para novos rostos, novos desconhecidos de novas passagens.

Para algumas coisas na vida não adianta nadar contra a maré. Quem dirá tentar pará-la.

(foto tirada em pleno jantar quando baixou a inspiração e a aceitei de bom grado, deixando-me ser levada pela maré)

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  1. Od says:

    Adorei o seu post. Me senti muito próximo da criadora… é engraçado, já tive momentos de inspiração assim, e a gente não pode mesmo deixar passar. Não tem nada de errado no rio querer parar, ele não tem que se conformar com o seu papel só porque lhe foi colocado dessa maneira. Porém, no momento que ele parou, conseguiu ver as coisas de outra maneira e concluiu que Deus tinha um motivo para que ele sempre esteja em movimento, e com isso passou a conviver melhor com sua missão. Lindo. Lindo. Lindo.
    Mais uma vez meus parabéns, agradeça a Deus por esse dom, essa benção, e aproveite bem o que foi colocado no seu caminho.

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