Fantástica realidade

Numa tarde de sábado, sentado na varanda de minha casa, olhando pro campo, sentado confortavelmente na cadeira de balanço quer pertencia ao meu avô, peguei-me vivenciando imagens mentais de quando era pequeno. Fui lembrando o quanto eu desejava ter uma vida fantástica. Quando digo “fantástica”, é no sentido literal: queria ser um mistura de James Bond (charme e inteligência), Indiana Jones (aventura) e Rambo (virilidade e brutalidade – afinal de contas, escutava muito quando pequeno que “os brutos também amam”). Passava horas montando meus bonequinhos do Comandos em Ação para a guerra que destruiria minha sala de estar. Eram táticas, guerrilhas, móveis, tendas, linhas de costura amarradas por todas as partes para eles se pendurarem atrás do sofá e alcançar a mesa da sala, onde situava-se o quartel general do inimigo. Nunca pensei no inimigo. Nunca o imaginei. Simplesmente sabia que ele existia e deveria ser combatido. Ele não tinha cara, rosto, corpo e, claro, nem força suficiente para me vencer. Foi lembrando deste pensamento que chegou minha nostalgia: como gostaria de manter sem faces os meus inimigos de hoje, sejam eles reais ou imaginários. Porque, tal qual quando pequeno, eu simplesmente sei que eles estão ali.

Sorrindo, mesmo que com sentimento confuso, peguei minha xícara de café quente, dei um gole olhando por cima da fumaça que embaçava meus olhos. Fitei meu filho um pouco mais novo do que eu na época, mas que estava brincando com igual afinco e concentração. Levantei-me e fui em sua direção. Ao aproximar-me, escutei que ele falava com seu amigo imaginário sobre como comprar um carro. Sua caixinha de matchbox estava espalhada pelo chão com todos os carrinhos enfileirados e organizados para uma perfeita feira de automóveis. Ajoelhei, apontando para um modelo conversível, demonstrando meu interesse pelo mesmo. Sua expressão tornou-se mais séria e, pedindo licença ao cliente invisível, me disse que teria que chamar o gerente, pois aquele carro exigia negociação especial. Levantou-se, abriu a porta do lavabo (que, certamente, era o escritório do gerente – juro que pude visualizá-lo atrás de uma mesa barata de madeira, com seus óculos dependurados sobre o nariz e com certo suor na testa) e chamou o tal. Apresentou-me e ficou de lado, com os braços cruzados, esperando a venda ser realizada.

Quando realizei a compra, disse que teria que levar alguém muito especial como carona para a primeira volta com o carro. Tal comemoração exigia um belo sorvete cheio de caldas. Chamei meu filho pelo nome e este saiu do transe de vendedor e aceitou alegremente ser meu passageiro no ato. Saímos de mãos dadas pela porta que dá para a garagem e, ao colocá-lo no banco de trás, ele surpreendeu-me ao dizer: “Já que o banco da frente está vazio, deixe-me voltar e convidar o Sr. Sandoval. Acho que ele toma sorvete também.” Saiu do carro, entrou porta adentro e voltou falando sozinho: “Venha comemorar sua venda conosco, sr. gerente. Qual é o seu sabor favorito de sorvete?”

Ardeu fortemente o tapa na cara que levei da nostalgia. Percebi que, mesmo na realidade, sua mente ainda trabalhava na fantasia. Perguntei-me onde estavam as minhas: tanto a fantasia, quanto a realidade.

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