Sonhos

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Não, não vim falar de sonhos de maneira metafórica. Não vim falar que sonhar é quase viver, que é bom sonhar, que todos devemos sonhar, fazer planos e daí por diante. Vim falar dos sonhos de maneira literal: deitar toda noite, fechar os olhos, embarcar pro mundo de Orfeu e… sonhar! Sonhar o doce sonho dos deuses. Imaginar mil estórias, vivenciar situações jamais imaginadas, passear por locais que nem existem (ou que até possam existir…), ver pessoas também desconhecidas (ou rever as saudosas) e sentir, no seu próprio corpo, a fúria dos titãs ou a leveza de uma folha caindo de um galho bem alto numa tarde ensolarada e de brisa fresca. Ser dono de sensações que, na realidade, até desconhece. Misturar-se em enredos onde amar, matar, correr sem limites e sem se cansar, sofrer, praguejar, voar, libertar, dançar, salvar, morrer e viver se misturam sem questionar. Sem se culpar. Fechar os olhos a cada noite para a terra mais livre onde jamais pisou e, possivelmente, jamais pisará outra vez, pois cada sonho é um. E por tempo limitado. Não há dinheiro que pague este ingresso. E nem tem como pagar. Ele vem por conta própria, te arremessa num ciclone de emoções e, quem quiser entrar, fica. Quem não quiser, acorda. Ou escolhe por não se lembrar de nada pela manhã.

Há quem não acredite, mas viciei-me em sonhar. Escrevo todas as aventuras vividas independente da hora que acordo e, apesar do sono e dos olhos ardidos, forço-me a escrever cada detalhe, cada nome, descrever cada rosto, local ou situação. As emoções são mais complicadas de descrever, até porque vi-me um pouco acanhado com meus próprios instintos. Foi complicado escrever, pela primeira vez, que senti prazer num dos sonhos em matar alguém. A adrenalina da minha fúria foi tão libertadora que nenhum porre jamais chegou nem perto. Decidi que escreveria toda noite num caderno só meu e o esconderia num local que ninguém conhecesse. A cada noite eu o levava escondido para a cama com duas canetas (vai que uma falhasse?) e uma mini lanterninha. Houve noites em que escrevi tudo torto, frase em cima de frase por receio da minha mulher acordar, portanto não acendia a mini luz. Estranho como sentia-me tão livre nos sonhos e tão preso ao abrir os olhos. O segredo era tão secreto que até de mim mesmo escondi certas coisas.

O que eu não escondia, passei a escancarar. Comecei a contar sobre meu pequeno segredo aos viajantes noturnos que habitavam meus pensamentos pela noite. Quer eles passassem a noite comigo ou somente fragmentos de segundos. Sentia-me verdadeiramente mais leve por poder compartilhar com dezenas de estranhos um segredo que não teria peso ou julgamento por parte deles. Contava e seguia adiante. Alguns sorriam, uns ignoravam e outros sentavam comigo, me escutavam com afinco, balançavam a cabeça com atenção e diziam querer poder fazer o mesmo, mas que eram sempre chamados, a cada noite, para participar de mais uma peça no subconsciente das pessoas. Sentiam-se honrados com minhas anotações e memórias, pois nunca poderiam ter certeza por quem eram lembrados. Criamos, assim, as comunidades. Sempre tínhamos, todas as noites, encontros uns com os outros e trocávamos confidências, fofocas, dificuldades e prazeres. Aqui foi minha vez de escutar. Me contavam como seus papeis nos sonhos alheios pareciam ser importantes ou rasos. Compartilhavam suas percepções e seus sentimentos. E eu escutava. Foi aí que meus sonhos viraram repetitivos. Passei a sempre encontrar as mesmas pessoas, escutar os mesmos assuntos e meu caderno passou a ficar vazio. Deparei-me com a estranha e repentina vontade de voltar ao mundo dos acordados. Abri os olhos no meio da madrugada com a testa suando, a respiração ofegante e o coração batendo na garganta. Minha mulher acordou comigo e, me abraçando, perguntou-me se estava bem. Respondi sorrindo que havia sido apenas um pesadelo.

2 Comments Add yours

  1. ANGELA says:

    Ainda consigo ver e ouvir você contando sonhos intermináveis, todas as manhãs, durante nosso trajeto casa-escola… Riqueza de detalhes, estórias fantásticas, sonhos e mais sonhos… e também vejo sua carinha triste, quando os irmãos se entreolhavam, achando que era tudo imaginação.
    Sonhe muito, cada vez mais, e agarre o melhor em cada um de seus sonhos. Você pode!
    BEIJOS, keep up the good work.
    Mumily

  2. Carla Mota says:

    Ju, demorei para entrar mas entrei ….antes tarde do que mais tarde né ! Ju, você manda muito bem !!! Admiravel !! Amei !! bjo Carla Mota

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