Reflexo

O escritório onde trabalho é rodeado por janelas de vidro altas em toda sua extensão. Parece que estamos, constantemente,  andando num andar aberto, sem paredes. Durante o dia, o sol entra com tanto força que as persianas charmosinhas (apesar de cinza) precisam ser abaixadas. O reflexo na tela dos laptops nos impede de ver o nosso trabalho – o que, por vezes, é bem terapêutico. À noite, nossos reflexos ficam tão vívidos pelo contraste da luminosidade interna com a escuridão do lado de fora que sentimos um pouquinho como seria ter um gêmeo: nos vemos perfeitamente estampados no vidro.

Outro dia destes, já tarde da noite e com os olhos bem, mas bem cansados, resolvi olhar pro lado de fora para dar uma quebrada na minha excessiva tentativa de concentrar-me. Mirei no lado de fora, mas tudo que via era minha imagem me olhando de volta. Ajustei a vista para focar no que queria ver: o lado de fora. Não adiantou. A imagem, teimosa, persistia em manter os olhos fixos em mim. Como também sou meio teimosa, encarei de volta. E ficamos assim por um tempo.

De repente ela resolveu levantar-se. Espreguiçou-se como se tivesse acabado de acordar de um sono profundo e revigorante. Esfregou o olho esquerdo, inclinando levemente a cabeça pro mesmo lado. Deu-se conta de mim, um alguém que a observava, e virou-se sorrindo. Eu já não estava entendendo mais nada. Olhava em volta em busca de respostas, algo para me tirar a expressão de perdida que eu sentia estar estampada no meu rosto. Ela continuou sorrindo e com um levo aceno, me convidou pra andar com ela. Obedeci.

Levantei-me também, fixada na imagem que estava andando mais rápido que eu. Como podia isso estar acontecendo? Atônita, simplesmente fui atrás. Ela contornova o prédio pelo lado de fora e eu, pelo de dentro. Eu sem casaco e ela com os cabelos esvoaçando ao vento do rigosoro inverno. Parecia não sentir frio, pois andava de maneira calma, porém decidida. Para onde iria a moça de vidro?! Continuei seguindo e, quando ela estendeu-me as mãos, repeti o mesmo de antes: obedeci. Demos as mãos e lá fui  eu pro lado de fora também. Sim, comprovei que o frio era de rachar. Ela parecia estar bem em paz com a temperatura.

Foi me puxando, segurando o braço direito até que eu sentisse esticar o pescoço. Andamos por volta de todo o andar e vi um ou outro conhecido ainda trabalhando também. De tão concentrados, nem sequer levantaram o olho quando nossos vultos passaram bem perto deles. Curiosa, parei atrás de um e descobri que ele tem uma namorada virtual pelo pouco do chat que pude ler antes de ser puxada novamente. Do outro concentrado, nada olhei, somente vi 2 planilhas de Excel com as quais trabalhava simultaneamente. Pensei que ele deveria parar de perder tempo olhando 2 planilhas e olhar para 2 lindas mulheres que estavam do lado de fora, olhando para ele. Dei-me conta do quão emergidos numa tarefa podemos ficar, perdendo sensações novas  e coisas inusitadas que acontecem pelo simples fato de não podemos parar. Muito menos para ver fatos inexplicáveis que não entenderíamos.

Quando chegamos de volta ao ponto de partida, olhei para o meu laptop aberto cheio de preocupações. Ele me olhou de volta, suplicando que eu voltasse, pois estava apressado, tenso com os prazos. De tanta tensão, congelou-se. Ficou ali travado, em pânico. Ele travado de um lado e eu do outro. Resolvi então sentar-me do outro lado e anotar algumas coisas que tinha aprendido no passeio mais curto da minha vida. Fiquei ali, sentada, escrevendo dentro do vidro, como se fosse apenas um reflexo. Depois terei que voltar para contar isso para vocês e espero que meu computador, até lá, se autodestrave. Enquanto isso, fico do outro lado, sem frio. Apenas comigo.

4 Comments Add yours

  1. Que lindo, amei seu post e a foto.
    Um beijo!!!

  2. Carla Mota says:

    Ju, te vi correndo pelo escritorio !! Amei seu post !! bjo Carlinha

  3. Carol Rabelo says:

    Adoro você!
    Sinto falta dos nossos e-mails, das cumplicidades e do cotidiano, em si.
    Estou por perto… mas completamente reformulada: emprego, casa, marido, tudo!
    Saudade!
    Um beijão!

  4. Juliana Rodrigues says:

    definitamente seus textos sao lindos… me fazem tb refletir…. adoro jubs!

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