Me vi numa encruzilhada. Estava sentada, uma perna esticada à minha frente, a outra dobrada para servir de apoio ao meu braço esquerdo que, por sua vez, suportava o peso do meu rosto. O sol parecia emanar de todos os lados, não só de cima. O calor era cortante e cegava. Não conseguia enxergar o que poderia haver longe dali e o que estava perto me mostrava somente um nada. Minha cabeça parecia derreter e o suor que escorria pela minha testa e nas laterais da bochechas pareciam comprovar isso. As gotas lentas, quentes e marcantes caíam em meus olhos e os faziam piscar de maneira tão intensa, quanto irritante. Me enxugava com o antebraço e mirava para longe. Não tinha muita opção: ou esperava a insolação me levar lentamente (e, confesso, nem parecia tão má ideia assim). Já li em algum lugar que morrer assim é muito relaxante… você vai ficando mole, relaxado, sentindo um peso e querendo dormir e, de repente, dorme mesmo. Para sempre. A outra opção era dar uma longa respirada daquele ar matador (que até temi queimar meus pulmões se inalasse com muita força e acabar morrendo de qualquer forma), encher-me de quente coragem e ir. Afinal de contas, eu estava numa encruzilhada, caminho de terra dourada e brilhante com miragens nem tão longe assim. Por que e como não escolher um dos 4 caminhos em vez de simplesmente ficar ali esperando um calor ainda mais insuportável me levar?
Optei ir para o caminho da frente. Sem grandes metáforas de “caminhe sempre adiante”, escolhi este pois era para o qual olhava. Estava ali mais fácil, disponível e parecia fazer mais sentido levantar e ir do que levantar, virar, olhar pros outros 3, escolher e morrer de calor por mais alguns minutos diante minha indecisão.
Levantei apoiando as duas mãos nos joelhos e fazendo uma bolinha com as costas para esticá-la um pouco depois de tanto tempo sentada. A cabeça foi a última a chegar, mas o peso a fazia latejar. “Puta que pariu”, pensei. “Como vim parar aqui?” A bem da verdade, pouco importava, pois tinha que buscar água. Sentia sede, muita sede. Rezei por água, implorei por força que me levasse até água, águas… Sim, “águas”, no plural. Precisava refazer-me.
Devo ter fé ou já estava em pleno devaneio ou entrando no primeiro grau de insolação, pois saí da encruzilhada abraçada e envolta por um tornado que rodopiava tanto e com tanta força que eu ia sendo jogada cada vez mais para seu topo. Batia de um lado pro outro, mas tamanha era minha fraqueza que nem dor sentia. Aliás, nada sentia. Nem questionei novamente a pergunta de minutos antes sobre como caralhos eu poderia estar dentro de um tornado. Entreguei-me e aproveitei o frescor do vento. Seu barulho era ensurdecedor, ao contrário do silêncio gritante da encruzilhada deserta, e ajudou minha mente a não pensar em nada. Sua força era tão infinitamente maior que o único que senti foi algo parecido com “o que não tem remédio, remediado está” e sorri.
Acho que o tornado sentiu minha placidez e, dentro de toda sua fúria que não comporta e nem tolera este tipo de sentimento alegre, cuspiu-me para fora de si. Achou que ia vencer-me, degolar-me, deixar-me em pedaços. Não. O vento das trevas com sua ira acabou por ajudar-me. Levou-me tão para cima que caí onde não poderia esperar jamais.
Senti-me aterrissar de forma brusca dentro de uma nuvem carregada de água. Não acreditei. Água! Na verdade: “águas”! Fui trazida ao meu destino através de algo violento, mandão, forte, aterrorizante e único. Mal sabe ele, ou mal sei eu, mas tal vil me foi sutil. Tal bruteza me mostrou um caminho. E eu me deixei levar por ele, talvez pela primeira vez na minha vida. Fui sem pensar. Aliás, me deixei ser levada, não necessariamente “fui”, pois não tive escolha, mas percebi isso e não lutei contra isso. Seria um “depois da tormenta sempre vem a calmaria?” da vida real? No entanto, me percebi ainda na tormenta, dado que caí numa nuvem negra, pesada e cheia de águas, trovões e trovoadas. Deliciei-me nas águas e, renovada, nadei de ponta à ponta desta nuvem vasta e plena. Interessante ouvir os trovões direto da fonte. São muito mais cruéis aos ouvidos, mas muito menos pavorosos, pois senti-los amenizava o medo. Eram quase tangíveis, palpáveis mesmo e, tudo que é palpável, para um bom “São Tomé” como eu, é mais fácil de lidar. Entreguei-me à minha tempestade particular e nadei, senti trovões, aprendi a pressentir quando viriam e já tapava os ouvidos para seus ruídos que vinham e nada faziam (ou seja, para que escutar o que não agrega?) e voltei a nadar até cansar. Quando parei de sentir, voltei a pensar. Quando pensei, desejei minha vida de volta. Afinal de contas, usando um termo apropriado ao local: “como raios havia vindo parar aqui mesmo?!” Vida. Vida. Cadê a minha vida e não este “me joga de lá pra cá”?
Abri os olhos e me vi, materializada e de forma mágica, nua diante do meu espelho dentro do meu quarto. Estava parada, seca e me olhava. Na verdade, me observava. E ali fiquei por vários minutos até que entendi. Pedi por água e me levaram até lá. O caminho não foi o fácil e nem o que eu teria escolhido. Mas cheguei ao objetivo. Pedi pela minha vida de novo e não por este empurra-empurra de “deixa a vida me levar” e caí aqui. Ou seja, entendi algo que pode até estar errado, mas foi como entendi. “Quer sua vida? Então comece por você. Se olhe e deixe para trás o que não te faz sentido. Faça como fez com os trovões. E faça como na encruzilhada. Caminhe, vá, não escute ruídos desnecessários.” E virei-me de costas para o espelho para tomar um banho. Senti algo me observando e tornei a olhar para o espelho. Havia uma imagem minha inteira presa lá dentro. Assustei-me calmamente por uns segundos até ver que a imagem carregava um rosto triste, ombros pesados e olhos profundos. Sem nenhuma nova expressão, só senti-me entender que, se pedi pela minha vida, deveria deixar coisas para trás: 3 caminhos da encruzilhada ficaram e, com eles, pessoas, lugares, sentimentos e até mesmo lembranças. Soltei-me aos ventos cruzados do tornado sem questionamentos. Nadei nas águas com trovões e, por mais acostumada que estivesse ali, também as deixei. E foi com este entendimento que deixei para trás a imagem pesada de mim mesma que aparentava 10 anos a mais que eu. Não a queria mais. Despedi-me ali mesmo dela e segui em direção ao chuveiro.
Se o entendimento estava ou está certo, só o tempo dirá. Mas acredito que sim, já que entendi que todos os caminhos nos levam para o mesmo lugar. O que muda é o como optamos cruzar a reta de chegada.
“I’m starting with the man in the mirror
I’m asking him to change his ways
And no message could have been any clearer:
If you wanna make the world a better place
Take a look at yourself and then make a change”
Thx for this Christmas gift! Among the best under my tree, lovely!
And thx for doing this for yourself. Really.
Se nao podemos mudar a situacao, mudar a nos mesmos passa a ser o desafio…