Ah, a adolescência… a minha foi cheia de maravilhas, surpresas e situações das quais me lembro com prazer.
Uma delas se deu em 1996. Estava mochilando pela Europa com minha irmã e minha prima. Eu sou a mais nova das 3. Fizemos vários países e, por sorte, na maioria deles tínhamos amigos nativos e isso incrementou bem todo o repertório de histórias. Justo no país onde não conhecíamos absolutamente nenhum ser, vivemos algo diferente.
Chegamos na capital, Praga, numa tarde ensolarada e cheia de movimento na estação de trem. Novas, novatas e cheias de otimismo, aceitamos alugar o apartamento de uma moça que, com carregado sotaque, nos falou em inglês o preço e a localização do local. Aceitamos. E demos muita sorte: o apartamento era pequeno, mas com espaço suficiente para 3 pessoas. Bem mais barato que hotel, muito mais aconchegante para quem estava trocando de albergue em albergue e perto o suficiente para caminharmos para onde quiséssemos. Jackpot!
Fizemos todos os programas turísticos, maravilhadas com a beleza da cidade, com a hospitalidade das pessoas e com os preços bem mais amigáveis do que do país anterior, minha querida Alemanha. Decidimos até ficar mais uns dias. A diversão estava valendo a pena e podíamos pagar por ela. Bingo!
Para fazer valer a estadia por mais um dia, decidimos comprar os bilhetes para o trem noturno, assim passaríamos o dia todo lá e economizaríamos uma diária em qualquer lugar dormindo no trem. Eis que nos demos conta das grandes mochilas que carregávamos por todas as partes como caracois, levando a casinha nas costas. Onde deixá-las para não passear o dia inteiro com quilos nos ombros? Na estação de trem em si! Lá havia escaninhos para bagagens. Eureka!
Ao guardarmos tudo, minha irmã abre sua pochete (por favor, lembrem-se que estávamos em 96…) e se dá conta que 100 dólares haviam sumido. Deu um grito apavorado, misturado com raiva e repentina solução de tudo: “Foram aqueles caras que nos esbarraram e fizeram uma confusão no tram! TENHO CERTEZA!”. E saiu cheia de si: “Se o tram estava indo naquela direção, obviamente vai voltar por lá também, pois estava próximo do ponto final!”. E saiu correndo. Ação!”
Eu e minha prima nos entreolhamos e a seguimos escadaria acima. Quando quase a alcançamos, ela já estava aos berros (detalhe: em português, no meio de Praga. Ok.), puxando os cabelos de um dos caras que haviam nos trombado no tram. Ele estava tentando embarcar no tram novamente, subindo os degraus e ela o puxava para baixo, com um pé no chão e o outro no degrau, uma mão no cabelo dele e a outra segurando na porta do tram. De novo, eu e minha prima nos entreolhamos e fomos em sua direção. Minha irmã estava doida de raiva. “Desce daí, seu cretino! Me devolve meu dinheiro!! Cadê meu dinheiro, seu filho da puta?!”. Nisso, vejo 2 pessoas indo rapidamente para bater nela. Um já vinho com o punho fechado. Instintiva e idiotamente, me joguei na frente e comecei a dar soquinhos no cara. Ele me empurrou, aí fui enraivecidamente de volta para ele: me pendurei nas costas deles e comecei a dar tapas. Muitos tapas, onde quer que minha mão pousasse. O retardei com ação tão ridícula e surpreendente. Minhas pernas estavam tão travadas em volta do sujeito que ele não conseguia se livrar de mim. Eu gritava por socorro em todos os idiomas que sabia. Saiu coisa em inglês, alemão, espanhol e português. No desespero, até em italiano deve ter saído algo. Eu conseguia enxergar pouca coisa, só o que estava realmente na minha frente. Meu campo de visão ficara totalmente focado e curto. Me desvincilhei do cara porque um grandalhão me tirou de cima dele e encheu o gordo de porrada. Foi horrível escutar o som seco de um soco bem dado no meio da fuça. Assustei-me ao ver o sangue escorrer do nariz do sujeito e, de novo, em todos os idiomas, pedi que o grandalhão parasse com a pancadaria. Num flash, busquei por minha irmã e ela estava arrancando o cabelo do menino ainda, quase rolando no chão e, não sei como, mas ela também me viu e foi a hora de ela intervir por mim. Se jogou na minha frente para me defender de uma vaca que vinha me bater: minha irmã meteu-lhe um chute no joelho que a menina se dobrou de dor no chão. Susto!
Procuramos minha prima e ela estava dando cascudos na cabeça de um careca e fomos socorrê-la. Foi aí que consegui ampliar um pouco minha visão: parecia cena de filme. Gente caída, um círculo gigante de espectadores, 2 trans parados no meio da rua (um virado pro outro, pois cada um ia numa direção) e vários bandidinhos saindo de todas as partes para nos pegarem. Gritei agora, bem puta da vida, com e para todos: “Fucking help us!!“. Nada. Até que escuto sirenes. Ótimo. Polícia. Por fim… Ajuda!
Lá fomos nós para a delegacia no carro de polícia numa Praga de 96. Os policiais não falavam bem inglês e sobrou pra mim relatar o caso todo em alemão. Até aí tudo bem. O ruim foi ter entendido claramente o que um deles me disse: “Agradecemos muito a ajuda de vocês. Estávamos tentando pegar esta família de ciganos há meses! Eles são nossa máfia. Muito perigosos e espertos.”
Pronto. Minha cabeça foi a mil. Calei-me e o encarei de boca aberta. Tudo que conseguia pensar era em nós 3 naquele trem noturno sendo mortas com tiros de silenciadores. Jamais nos achariam. Drama!
Nada disso aconteceu. Estamos as 3 vivas até hoje, mas a ideia de viajar à noite para economizar em estadia de nada adiantou, pois nenhuma das 3 pegou no sono. Dormimos somente no outro dia, na casa de um amigo em Berlim. Claro, também somente depois de contar tudo tim tim por tim tim e dar boas risadas, mesmo sentindo dor de cabeça dos cabelos puxados e músculos doloridos das porradas que também levamos. Experiência!