O dia vinha sendo bizarro, mas nada que a chamasse mais atenção que o comum. Otimista por natureza, a moça simplesmente atribuiu as estranhezas daquela quinta-feira à sua imaginação. Moradora da cidade de São Paulo, sofria do mal do “rodízio de carros” como toda a sua população. Aquele era o dia no qual ela só poderia sair do escritório após às 20h (claro, pensar em sair antes das 17h era impensável). Eis que, poucos minutos antes do horário limite das 17h, as nuvens criaram vida, corpo, cor e densidade. Avistou, ao alto do 34º andar onde trabalhava, um exército cinza marchando em sua direção. Cada nuvem continha personalidade dentro de si. Quer fosse por carência e aí uma solitária se grudava na outra, acompanhando o resto, quer fosse por liderança em anunciar o dilúvio que se seguiria, cada uma das cinzentas tinha seu peso, sua imponência. Parecia guerra de titãs: as nuvens eram as maiores nuvens do céu e o prédio, o maior prédio da cidade. Se entreolhavam de longe e conspiravam estratégias de guerra. Tamanha era a força das nuvens nervosas que derrubou a força (elétrica) do prédio. Foi aí que ela, a moça do 34º andar em meio à tanta bizarrice, começou a contar o placar da guerra: 1 x 0 pro time do Ar. Enfurecido, o prédio começou a contra atacar. Enviou mensagens para seus habitantes que saíssem logo antes que o time de cima causasse maior caos para o time da Terra. Certamente a fúria das nuvens seria representada por gotas raivosas que despencariam em minutos. O prédio, em tamanho alarme, se autodesligou. Ninguém gostava dele assim. Gostavam dele com vida, luz e energia para todos os lados. Sem luz, ele não provia diversão, fuga, trabalho ou consciência (pesada ou não) a seus habitantes. Destes, os mais iluminados entenderam a mensagem rapidamente e foram embora. Os mais curiosos, ficaram para ver o resto da guerra silenciosa. Quem venceria? Claro, torciam pelo prédio: uns por orgulho, outros por pena por acharem que o empreendimento não tinha sido construído de forma a suportar tamanha adversária. Ledo engano.
E ela, a moça? Ela ficou no meio termo, ainda vivendo seu dia bizarro no meio de um dia comum para todos os outros. Resolveu ir ao banheiro, tomar água e comer uma banana. Não se juntou ao resto das pessoas que se amontoavam pelos corredores como se precavendo do fim do mundo, afinal, estamos em 2012. Quando decidiu ir embora, simplesmente pegou a bolsa e o livro (e, claro, sua garrafa d’água) e foi, pacientemente, esperar o elevador de carga (é o único que funciona em emergência). Quando finalmente conseguiu chegar no seu carro, se deu conta que não poderia ir embora (ainda eram menos de 18h). Subiu, novamente de forma bizarramente paciente, para o shopping do prédio e instalou-se no bar e perguntou se poderiam servi-la uma bebida. Complementou dizendo que precisava de uma qualquer dose gelada. No bar escuro e com somente mais 3 pessoas (fato bizarro para um dos mais movimentados prédios comerciais da cidade), acomodou-se numa mesa para 6 e esperou sua bebida. Sentia-se tão à vontade quanto em sua própria sala de estar – talvez fosse pelo clima escurinho. Não era adepta à muita luz e observou que o tal bar dentro do tal shopping do prédio em guerra nunca lhe parecera tão aconchegante quanto agora. Ficou ali pelo menos 142 minutos antes de outros guerrilheiros terrenos aparecerem. Quando o fizerem, ela os avistou já com a vista parecida com as nuvens: nebulosa e pesada. Piscou algumas vezes para afastar a secura. Mais e mais pessoas vinham chegando, porém nada próximo ao número costumeiro de clientes num dia comum.
Compreendeu que o time da Terra havia combatido o do Ar. O prédio conseguira avisar ao seus usários que era hora de bater em retirada para garantir segurança. A grande maioria havia partido. Só os mais teimosos e furiosos ali estavam. E pior: pareciam pretender ficar. Então ela decidiu pedir a conta e seguir o mesmo rumo dos já idos.
Chegara em casa nem tão sã, mas salva o suficiente. Deitou-se sentindo o abraço duro das paredes do prédio cercando-a. Adormeceu à ideia de que estaria ali de volta dali a poucas horas e percebeu que compreendera bem o prédio, pois ela também guardava uma muralha, uma fortaleza bruta de pedras que se ameaça por leves gotas dentro de si mesma.
Haha parabens pelo devaneio.. E tambem pelo dominio da arte de transformar um fato corriqueiro numa linda estoria!
A gente se acostuma tanto com tudo que esquece que coisas simples, como a chuva, trazem a vida e coisas boas para muitos. 🙂
Histórias estão em todos lugares, poucos as vêem…
Mas só você pra tirar isso de uma chuva e um prédio enorme, aproveitando pra fazer uma análise pessoal.
Very good! Really good!
;o)