O prazer do oposto

Eram 5 amigas inseparáveis. Com exceção à grande maioria, elas nunca brigaram entre em si e nunca houve momentinhos de ciúmes bobos uma da outra. Havia, sim, maior afinidade entre uma e outra e também aquela que sempre sabia do segredo antes das outras. Preferências haviam, mas o respeito por elas estava igualmente proporcional, sendo o mais importante a amizade. Quando uma começava com um possível “mi-mi-mi”, lá vinham as outras intervir. Eram melhores amigas, afinal de contas! Para quê essa baboseira? Deveriam sempre manter-se unidades, não importasse o motivo. Se todos agissem assim, muitos casamentos seriam salvos. Uma delas prefeciou esta frase um dia  num happy hour que ocorria religiosamente às quartas entre elas. Imediatamente as outras lançaram a ideia de fazerem workshops a respeito do tema “amizade” dentro de casamentos e sobre “como ser amigo de verdade”. Era um barato observar o quinteto!

Certo dia, a mais nova (de idade) anunciou que, finalmente, decidira fazer sua tatuagem! Somente ela e mais uma ainda não tinham marquinhas definitivas pelo corpo. A segunda nem as teria: dizia veemente que jamais faria algo assim, tamanho era o pavor por agulhas. A primeira tinha um misto de querer se manter lisinha e ser original num mundo desenhado e também, confessou após uns dias, o nervoso que tinha em pensar em algo que era forever no seu corpinho. Mas amava tanto certo desenho! Ele tinha tamanho significado para ela e, toda vezque se imaginava deitada em sua posição favorita, se via imediatamente com o desenho. Ela sempre se deitava de bruços com o braço direito embaixo da cabeça. Quer fosse na praia, em sua cama, no chão da casa de uma do quinteto enquanto viam filme ou até no cinema (se apoiava assim também na poltrona), a caçula do grupo era famosa por esta mania.

Como estava perto de seu aniversário, as outras se apressaram em preparar uma surpresa! Tão logo a júnior do grupo anunciara a decisão e a data da ocasião marcada com o grande “mestre, ó, guru das tattoos” das amigas, as 4 restantes pareciam pequenas formigas arquitetando um plano sobre como dominar o mundo. Como se conheciam bem, conseguiram disfarçar tudo num estilo clássico de alta espionagem. A pequena sequer desconfiara do que viria.

Chegaram todas juntas no salão das artes definitivas até a morte, como entitulou o estúdio a 3ª mais velha do grupo. Os tatuadores já as conheciam e até tinham certa amizade por cada uma. Com certa frequência (menor que a desejada por todos), visitavam suas casas, faziam festas, iam a bares e sempre tinham bons momentos. Era um grupo muito divertido e de altíssima qualidade. Papo sempre prazeroso, culto e com diversas opiniões abertas a mudarem. Foi ótimo ver as 5 entrando juntas como se estivessem indo enfrentar o grande dragão da morte. Abraços e sorrisos foram distribuídos e aproveitados (claro que, entre o quinteto e os tatuadores, rolava também atraçãozinha e paqueras!) e, após aquele clima de “oi, tudo bem?” ter passado, um deles veio, no alto de seus 187cm com um senhor copo de uísque na mão e anunciou para a caçula: “cortesia da casa… coragem líquida.” Risos soltos novamente. Ela obedeceu como se fosse a mãe a dando remédio. Trocou olhares com as outras que quase se escutava os “hi, hi, his”. Tomou mais rápido que devia, mas menos do que conseguiu. Sentiu-se mais leve.

A pequena já estava deitada na maca que a marcaria para sempre, posicionada para o irreversível ato. Não sabia dizer se o estômago falava com ela pelo nervoso ou pelo uísque. Na dúvida, pediu mais uma dose dupla: se fosse nervoso, o estômago se calaria em breve. Sábia a caçula. Demorou para perceber que, em poucos minutos, todos tinham um copo na mão (exceto seu alto tatuador). A música parecia ter aumentado e quase abafou o toque tímido da campainha anunciando a chegada de mais alguém. A segunda dose estava já pela metade quando a quase-a-ser-tatuada avistou uma moça de olhar tímido, toda de branco, adentrando a sala com uma pequena maletinha. Assustou. Enfermeira?! O lance é punk assim? Tentou sentar-se em 90 graus, mas 2 amigas a detiveram e falaram: “confie na gente… feche os olhos. Não, tome este restinho antes e depois feche os olhos.” Novamente, obedeceu. A tal moça de branco parecia tão tímida quanto muda. Não falou nada, mas de repente, como se em sinfonia, a pequena deitada sentiu os instrumentos dela e do tatuador iniciarem seus movimentos de forma uníssona em seu corpo. Parecia uma orquestra treinadíssima, perfeita, mas que tocavam ritmos e instrumentos opostos. Um era rock. Outro era música clássica. Um gritava, dava um frenesi. O outro sussurava, gerando um conforto. Um pulsava. O outro amaciava. Assim, neste clima de sentimentos contraditórios, mas igualmente interessantes, a mente já lenta da caçula entendeu que estava sendo massageada no pé esquerdo enquanto tatutada no braço direito. Sentiu-se quase numa orgia. Tatuagem com massagem! Um rima perfeita. Uma dupla que deveria ser formada para sempre! Gargalhou e, interpretando a gargalhada como uma aprovação, todos riram juntos e começaram a cantar: “parabéns para você, nesta querida, muitas felicidades e tatuagens na vida!”

A tímida massagista só escutou o coro sorrindo, cantarolou com eles de forma inaudível e, sem tirar as mãos do pé da caçula, desejou mentalmente, o que faltou para a desconhecida aniversariante: “muitos anos de vida!”

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  1. loosewanderer says:

    Hehe bem Juju esse post..

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