Avistei uma moça de costas com as costas nuas, que pareciam nadar sem mexer muito as pernas, mas os quadris acompanhavam perfeitamente os movimentos da parte superior e sexy do seu corpo. Seu jeans estava (ou era) bem baixo na cintura, e eu não sabia dizer se por ser simplesmente assim ou se por estar aberto na frente. Tinha a pele branca, quase sensível só de olhar. Seu cabelo era comprido, mas estava totalmente caído para o lado esquerdo, pois ela tinha o rosto voltado para o outro e foi só aí que vi uma outra pessoa. Não me preocupei se era um homem ou uma mulher, pois a boca do rosto tão branco e macio quanto as costas era o que me prendia a atenção. A boca do beijo redondo, encaixado e, seguramente, molhado na medida certa, me atordoou. Sem reação, só consegui desviar o olhar quando outra moça, com sorriso simpático e olhos afáveis me cutucou pelo ombro e estendeu-me uma cerveja gelada, daquelas na temperatura simplesmente perfeita, inclusive para abrandar o calor interno que eu sentia. Sorri de volta e, por puro impulso, segurei-a pela mão e a guiei para o bar, onde serviam todos os tipos de tudo. A sentei no balcão e imitei a primeira moça: a agradeci pela cerveja com um beijo morno, perfeito. Eu parecia ter nascido para dar aquele beijo. E ela, em retorno, me imitou como num jogo não combinado: paralisou, sem muito saber o que fazer depois do beijo. Dei um gole da cerveja, acenei com a cabeça, alisei seu rosto, sorri e caminhei para o outro lado. A deixei ali pensando no beijo. Eu também pensava nele enquanto caminhava lentamente com certo ar de quem aprende rápido e se vangloriza. No devaneio, acabei por tropeçar no pé de uma cadeira numa esquina escura. Tentei pedir desculpas, pois senti gotas da cerveja caírem em quem estava sentado, mas meus olhos demoraram a se acostumar com a sombra escura dali até se ajustarem e enxegarem outra moça com uma maquiagem exageradamente carregada e atraente: algo que até imitava uma máscara preta em volta dos olhos, sentada em cima de um rapaz, umbigo encostado no dele, mas com a cabeça virada pra trás, me fitando fortemente. Vestia botas compridas pretas e de saltos altíssimos. Seu vestido preto igualmente comprido demonstrava um seio para fora, cujo o rapaz não conseguia escolher entre toques ou lambidas. Ela rebolava lentamente em cima dele – não era preciso muito esforço pois os saltos a ajudavam a manter a altura ideal. Foi quando tive certeza de duas coisas: de que eles transavam ali mesmo (o rapaz ausente à minha presença – o inverso total dela) e de que a cerveja realmente havia caído nela. Sem demonstrar nem pudor, nem vontade, ela simplesmente passou meu dedo no bico do seu seio e me indicou que eu lambera minha própria mão. Era a cerveja. O olho por detrás da máscara esboçou um sorriso que, agora sim, indicava malícia e desejo e se voltou para o rapaz que dominava. O beijou de olhos abertos, olhando para mim e para os outros que ali estavam. Me deixei sentir o gosto da cerveja em minha boca sem tomar outro gole. A garrafa estava estendida junto ao meu corpo, obedecendo a curva dele, caindo pela mão, quando alguém a recuperou e a passou em minha nuca. Aquele frescor fechou imediatamente meus olhos e relaxei sem olhar pra trás. Quente e frio se alternavam na minha nuca e no meu pescoço e o passar de uma língua macia e intensa de um lado ao outro, entre calor e gelado, conseguiram baixar minha frequência mental e simplesmente me guiaram para a dança de costas que meu ombro e minha cabeça realizavam em compasso com a língua. De repente cessou. Respirei, olhei em volta, queria ver mais, sentir mais, captar mais, mas me sentia com certo peso, como se minhas pernas puxassem uma bola de canhão. Sentei no chão, ali mesmo (que nem sei onde era) para descansar e a decisão não poderia ter sido mais acertada: vi todos de uma vez. Eu estava no balcão de cima e a vista era como de um camarote VIP a poucos metros do astro principal. Avistei cada uma das pessoas que queria: a vadia, a receosa, a libertina, a observadora, a que ladra, mas não morde; a cautelosa, a frígida, a promíscua, a adolescente, a insegura, a com todas as intenções, a tímida, a gostosa, a oprimida, a feia, a foda, a doce, a prima, a mentirosa, a medrosa, a irmã, a namorada, a amiga e a até a mãe. Vi todas e passei a sentir cada uma delas, mesmo dali de cima. Como isso era possível? O quê estava acontecendo? Onde eu estava? Quanto mais me perguntava, mais parecia que minhas perguntas eram, para elas, algo cortante. Pareciam me ouvir e se incomodaram, pois de uma a uma, todas foram se virando em minha direção, interrompendo o ato que fosse que cometiam. Fui encarando cada uma e vendo seus rostos, reconhecendo seus corpos, suas medidas, suas mexidas, seus jeitos. Grande foi minha surpresa ou inabilidade de não ter percebido que, obviamente, todas eram eu. Minha incerteza foi querer saber se aquilo tudo estava sendo um sonho (se sim, que pena ter dele acordado), se uma vida passada (se sim, que pena ter dela morrido) ou se minha vida atual (se sim, que pena não estar nela sem dúvida).
Dear, adorei te ver de volta aqui e com uma volta assim tão intensa! Adorei. Continue escrevendo, pois sei que te faz bem e faz bem para nós que podemos desfrutar de tanta sabedoria, sensibilidade, habilidade, inteligência, experiência…