“Sem entender nada”. Era assim que, muitas vezes, me autodescrevia quando me perguntavam o que ou como eu me sentia. Deslocada, não pertencendo ao tortuoso mundo em que havia escolhido nascer. Obviamente, o mundo não me entendia de volta e ele parecia fazer bem menos esforço do que eu para reverter a equação. Isso só aumentava o meu senso (ou certeza) de que “realmente tanto fiz, tanto faço” para tudo e para todos. Inconformada, eu queria mudar isso e questionava, observava, analisava, sentia, observava, pensava, observava. Por vezes, me via mais esclarecida que todos. Ah, que sensação gostosa! Praticamente um êxtase como se, finalmente, tivesse me acalmado. Durava pouco, mas era bom, simplesmente bom, sem muito tentar definir para não estragar. E sei que o mérito do prazer vinha da observação. Ela faz isso com a gente; se torna praticamente um vício, uma adrenalina que te faz pensar que está fisicamente acima dos outros, tendo sempre outra perspectiva, um outro olhar. E era bom sentir isso. Simplesmente bom. Bem, era mesmo como um vício.
Em outros momentos, não havia espaço maior em toda a galáxia que fosse proporcional ao tanto que me sentia burra, limitada. Afinal de contas, de que adianta estudar, perguntar, fuçar e não conseguir chegar à (alguma) conclusão? Me sentia atônita, paralizada e agitada. Era tudo ao mesmo tempo e a aflição de ter uma resposta, um entendimento me consumia.
Falando assim pareço uma chata, mas não. Meus questionamentos e modos de pensar me trouxeram inúmeras surpresas lindas, como amigos queridos, rodas de filosofia regadas a whiskey, cerveja e cigarros, muitos livros dos temas mais variados possíveis, roupas descoladas, percepções gerais diferenciadas, carisma (sim, muito carisma), até um certo charme e muitos sorrisos e tantos outros choros (que são, claro, tão bons e necessários quanto as risadas). Eu vivi a vida e ela me usou, me preencheu porque assim a permiti. Um dia, ela bateu à minha porta e abri. Ao me dar conta de que era a vida quem me esperava do outro lado do batente, me joguei sem pensar. Claro, não fechei a porta atrás de mim porque isso seria o meu fim – uma contradição interessante. Ainda a vivo e ela ainda me consome. Nossa codependência escancarada é ativa, prazerosa, dolorida, imperativa.
E assim de repente, como se nada fosse, meu incessante vício parou e me fez parar. Refleti, refleti e refleti. Me ausentei daquele mundo errado, mesmo que ainda fazia parte dele fisicamente. Me afastei das pessoas que por ali também andavam e ocupavam seu espaço; não as queria no meu espaço recém descoberto. Não poderia ser desnorteada, distraída ou afastada de mim e nem da minha plenitude cheia de nada.
Por fim, entendi. Cheguei à alguma conclusão e o vi. Ali estava ele! Olhei pro tal esclarecimento que tanto buscava e o fitei com olhar desafiador e um tanto ousado, como quem diz: “viu… te falei que te acharia e aqui estou” com a glória digna de quem vence uma batalha duradoura. Ele me olhou de volta com um ar totalmente plácido que remetia a, no mínimo, um desdém. Devia estar muito acostumado a receber olhares como o meu. Não o desprezei de volta, pois há muito queria encarar este ente desconhecido. Ele ansiava por uma reação, um lampejo de sensação, mas não. Nada emiti, sendo fortemente sustentada pelo meu vício. O observava e o desconcertava. Observei. E percebi que ele já não importava tanto. Compreendi, ali na frente do esclarecimento, que eu, até então sempre vista como a cheia de cor, luz e vida num mundo quase monocromático, havia me tornado preta e branca num mundo agora colorido. Não entenderia mesmo nada (nunca). Fechei a porta.
Juju, querida…
Eu adorei este texto. Interessante o teu talento para expresser através da escrita seus próprios sentimentos, percepções, indagações. Mais interessante ainda – ouso a dizer – é você expresser tudo isso do alheio…
Me encontrei bastante neste texto e me confortei de certa maneira. O que mais gostei foi “E sei que o mérito do prazer vinha da observação”…
Parabéns, continue compartilhando conosco deste cardápio apetitoso. Faz-me bem!!!
Um forte abraço,
Eu
(Luciana, simplesmente eu)