Naquele canto que por tantas vezes os vi sentar, agora não resta muito mais que a ausência e o pesar. Era o canto da imaginação, da indagação, da dúvida, da encenação. O real dos outros ficava de fora e o nosso real era criado ali, na hora, na mora. Não havia tempo ou espaço para limitar o canto. O canto era o canto em si, canto de estória e história, cheio de personalidade e sem idade. Cediam ao canto um corpo inteiro e o canto era deles, como um livre prisioneiro. Naquele canto se sentavam para escutar e vivenciar, mas ocupá-lo por inteiro, nem pensar. Aquele canto permitia a alguns seletos como que possuído por magia que se entrelaçassem numa literária orgia. Naquele canto não havia perdão aos contos rasos que eram debochados com profundo descaso. Escrachos, provocações e risos degolavam as palavras erradas separando de seus corpos as suas donas iletradas. No mesmo canto, sempre naquele canto, eram homenageados com devoção e respeito religiosos, os famosos ou desconhecidos que fossem capciosos. Expressões formosas preenchiam sua totalidade, dando ao canto uma nova singularidade. Canções eram montadas com alegria celebrando toda a riqueza das historíolas que a alma agradecia. Ao olho nu, o canto que era envolto por imperceptível nuvem silábica, desvendava aos permitidos um sofisticado segredo inconcebível. Suas frases eram únicas, jamais repetidas ou sequer parecidas para outrem. A exaurida unicidade de cada segredo, vocábulo e suspiro era realizada com tanto zelo que ao canto só restou a insanidade. De pouco em pouco o canto se viu largado e, por todos os que o idolatravam, foi abandonado. Sem ter quem o preenchesse de novas biografias, o canto ao nada se esvaía. Hoje, o canto que tudo era menos um canto qualquer, perdeu sua identidade por nenhuma visita ou alma sequer.